World Trade Center



Poucas imagens transcendem a sua condição objectiva para se tornarem ícones da história contemporânea. A bomba atómica, Auschwitz, o globo terrestre visto do espaço, um homem enfrentando um tanque em Tienanmen. São imagens que se constituem como pontos sem retorno e momentos de civilização. A queda das torres do World Trade Center a 11 de Setembro de 2001 constitui um desses instantes que superam uma definição quantitativa, sendo por si só uma marca cultural e uma referência para tudo o que se lhe sucederá.
É difícil encarar um filme como World Trade Center sem reflectir sobre o que em nós motiva determinada reacção emocional; se essa qualidade resulta da sua dimensão cinematográfica ou da nossa própria relação individual com o evento e os seus múltiplos sentidos. O último trabalho de Oliver Stone pode não ser uma obra prima. Não será por certo o filme decisivo sobre um tema que mal se começa agora a aprofundar. Para mais, no tempo da condescendência a todos os externalismos e dos pruridos que afligem a afirmação clara dos nossos valores culturais, o conservadorismo e sentir patriótico que lhe está presente presta-se a toda a espécie de mal-entendidos. Seja como for, World Trade Center inscreve várias dimensões que lhe conferem enorme relevância, se não cinematograficamente, pela sua leitura sociológica.
Ao celebrar uma escala humana dos acontecimentos, cingindo-se à sua perspectiva individual sem uma visão externa ou épica, Stone consegue construir um mosaico da multiplicidade de efeitos e consequências que resultaram do 11 de Setembro sobre aqueles que mais de perto o viveram. No entanto, aquilo que verdadeiramente destaca o filme é algo que transcende a sua dimensão narrativa.
A certa altura do filme somos mergulhados numa torrente televisiva, noticiosa, do que está a acontecer; como se a nossa relação com aqueles factos se inscrevesse enquanto real pela sua presença em televisão. Ao desmultiplicar-se numa voragem de abstracções, factos, data, o acontecimento adquire uma outra complexidade e ambivalência, perdendo a referência de tragédia íntima para se transformar num fenómeno global. World Trade Center rejeita esse registo documental de matriz televisiva para assumir o olhar cinematográfico, subjectivo e íntimo, sobre aquelas pessoas. Mas persiste, para lá disso, um outro olhar mais vasto sobre Nova Iorque que assinala a existência de um “antes” e “depois”. É algo que se define com uma clareza que não necessita de explicitação narrativa. Como se àquele dia correspondesse o fim de uma certa ideia de normalidade. Um tempo em que a palavra “terrorismo” não tinha o mesmo significado e em que não habitávamos a nebulosa social e política em que o mundo se tornaria, no pós 11 de Setembro. É essa a coragem maior do filme de Oliver Stone. Afirmar os valores próprios dos heróis e das vítimas desse dia, não de forma propagandística mas na dimensão humana das suas personagens. E afirmá-lo, sem pruridos, num tempo em que a visão de Jesus Cristo enchendo a tela não pode deixar de ter um forte sentido político.

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