Somos Europeus?


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Se os Portugueses parecem estar a despertar para a dureza da situação económica em que o país se encontra, tal não deixará de produzir clivagens de entendimento quanto à responsabilidade das causas e à justeza das consequências. É uma fractura social agravada pela degradação do discurso político que persiste na fabricação de narrativas envolvendo a realidade, repetida dissociação entre a retórica e as evidências, num jogo de espelhos, de acções e reacções, ampliado à exaustão.

Trata-se de uma degradação dramática do pensar que tem apoteose no espaço televisivo e que contamina também, inevitavelmente, o espaço da opinião individual. O barómetro de cada um oscila assim entre preferências partidárias, sensibilidades ideológicas ou o mais ingénuo wishful thinking. Mais difícil, porventura impossível, será identificar o referencial zero da verdade, o traçado histórico dos actos e dos factos que, efectivamente, nos conduziu até aqui. Na alienação de um discurso eleitoral dominado pelo medo o país vai continuar a dividir-se. Já está a acontecer.

Alguns exprimem desilusão perante a Europa e a falta de solidariedade entre Estados num momento tão grave como aquele que estamos a viver. Somos, afinal, um país pobre conduzido por orientações de política macroeconómica a que a União não se pode isentar e de que alguns dos grandes Estados foram os principais beneficiários. Mas de igual modo não podemos deixar de nos questionar sobre vinte e cinco anos de ajudas estruturais que internamente gerimos a nosso bel-prazer. O que foram esses fundos financeiros, destinados a promover o nosso desenvolvimento económico e a nossa competitividade, se não uma forma de solidariedade paga por muitos contribuintes dessas nações que agora nos olham sem contemplação.

Valeria a pena perguntar onde esteve a produtividade da nossa economia se dela subtraíssemos esses fundos estruturais e o crédito com que edificámos uma das maiores dívidas externas do mundo e a maior da Europa. A verdade é que, deixados à solta, edificámos estádios de futebol, enchemos o território de auto-estradas, fizemos capitais da cultura e centros culturais, pavimentámos o chão das nossas cidades a Polis e eis que já nos abalançávamos para novas auto-estradas, um mega-aeroporto e vários traçados de TGV. Em suma, construímos, construímos, construímos. Esta política, incentivada por consórcios entre grupos financeiros, grandes construtoras e empresas sectoriais do Estado, conduziu o país à ruína. Entretanto permitiu-se criar uma dívida subterrânea, oculta pelo facto das contas das empresas públicas – Estradas de Portugal, Refer, Porto de Lisboa, Parque Expo, Parque Escolar, etc. – não constarem do défice público primário nos termos do Eurostat, ou simplesmente atirada para o futuro como no caso das parcerias público-privadas.

Ninguém pode legitimamente, em nome de uma aparente pose de Estado, mascarar esta verdade e os seus responsáveis, dirigentes políticos e figuras da área financeira e empresarial que delapidaram as contas públicas. Não podem os empresários da banca, da construção, ou do sector empresarial do Estado falar da situação do país como se fossem alheios àquilo que eles próprios criaram. Esses empresários que falam a conversa mas não andam o caminho fizeram carreira sobre a sua capacidade de lobbying e acesso privilegiado ao investimento público. São, em boa verdade, os mais obesos funcionários públicos do país.

O recurso ao Fundo de Estabilização Financeira não resolverá nenhum dos nossos problemas estruturais mas poderá criar a janela de oportunidade para promover reformas tão exigentes quanto necessárias. E talvez a questão maior que agora pende sobre os Portugueses seja simples de elaborar: Somos Europeus?
Querer escapar à inevitabilidade da nossa circunstância histórica recorrendo à saída do Euro é nada mais que desistir da nossa condição Europeia, ignorando as implicações trágicas para a vida de todos que tal opção irá acarretar. Questionemo-nos então se estamos à altura do desafio da Europa no que tal significa de exigência de cidadania, de ética, de democracia? De combate à corrupção e ao ilusionismo político terceiro-mundista que nos conduziu até aqui?

Se os Portugueses já compreenderam que vão ter de mudar de vida, é importante que eles possam de igual modo acreditar que há vida do outro lado da crise. Se os cidadãos ficarem entregues ao medo e à fatalidade de saber que, depois de um pesado processo de austeridade cega e implacável, estaremos destruídos sem empregabilidade, sem rendimentos dignos de um país Europeu, sem estabilidade mínima para enfrentar um futuro de compromisso familiar, então o regime estará condenado a falir. E se parte da solução terá de ser encontrada no quadro de uma revisão da política económica Europeia que contemple o crescimento de economias mais pequenas como a nossa, outra parte porventura mais importante dependerá da nossa exigência connosco próprios, para reclamarmos definitivamente a nossa condição de Europeus de pleno direito. Algo que ninguém poderá fazer por nós.

Seremos Europeus? Eu gostava de acreditar que sim.

2 comentários:

  1. É mesmo! Espero que não tenha sido um abuso utilizá-la, mas tive o cuidado de encaminhar os créditos. Abraço.

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