O que te separa de um Pritzker



Ira Glass fala sobre a dificuldade em atingir as expectativas pessoais quando se está no início de uma carreira. A exposição tem como ponto de partida o mundo dos media mas a sua argumentação é universal. Segue-se uma transcrição (um pouco livre):

Ninguém diz isto a quem está a começar. Eu gostava que o tivessem partilhado comigo. Que todos nós, que fazemos trabalho criativo, somos atraídos para aqui porque temos “bom gosto”. Mas deparamo-nos com esta distância inultrapassável. Durante os primeiros anos em que estamos a fazer coisas, elas não são tão boas assim. Está a tentar ser bom, tem potencial, mas não chega lá. Agora o teu gosto, essa coisa que te atraiu esta área, está a funcionar em pleno. E o teu gosto é a razão pela qual o teu trabalho te desilude.
Muitas pessoas nunca ultrapassam esta fase. Desistem. Mas quase todas as pessoas que eu conheço, que fazem trabalho interessante, criativo, passaram por isto durante anos a fio. O tempo em que sabemos que o nosso trabalho não tem aquela chama especial que nós gostaríamos que tivesse. Todos passamos por isto. E se estás apenas a começar ou se estás a passar por esta fase, tens de saber que isto é normal e que a coisa mais importante que podes fazer é trabalhar muito. Só depois de teres atrás de ti um volume grande de trabalho é que conseguirás atravessar essa distância e o teu trabalho será tão bom como as tuas ambições. Eu demorei muito tempo a compreender isto. Demora tempo. E é normal demorar tempo. O que tens de fazer é lutar para percorrer esse caminho.


O Ira Glass é um tipo espectacular. De passagem recomendo a visita ao sítio web do This American Life e a acederem ao arquivo de programas. Têm ali dinamite cerebral para muitos dias.
O que ele aqui diz aplica-se a todas as áreas de trabalho que envolvem a aplicação prática da criatividade. Aceitar as nossas limitações de partida envolve muita persistência e uma boa dose de humildade. Todos entramos pela vida adentro com entusiasmo juvenil e esquecemos que aquilo que foi difícil para os que nos antecederam será também uma adversidade para nós. Não é por sermos jovens, por termos muito piss and vinegar, que a vida nos estenderá uma passadeira vermelha de facilidades.

A humildade é, infelizmente, um daqueles valores que tem vindo a descer no rating cultural. Não é um grande afrodisíaco, não leva ninguém para a nossa cama nem fica bem no perfil do Facebook. O mundo valoriza o carisma e as qualificações sociais. Não sejamos ingénuos: a habilidade social pode catapultar uma carreira na política ou quem sabe até tornar-vos internet-famous, mais uma daquelas celebridades que têm “opiniões fortes” sobre assuntos a que dedicaram cinco minutos de leitura (nos blogues) e acabaram a escrever colunas regulares num jornal. Mas malabarismo social e uma boa imagem não fazem ganhar Prémios Nobel, Pritzkers ou medalhas de ouro das mãos da Rainha Isabel II.

É certo que não temos todos de ambicionar a genialidade. Ser Pritzker, por exemplo, não é propriamente divertido: é preciso trabalhar mesmo a sério, pensar arquitectura 24 sobre 7 dias por semana, deitar e acordar a pensar nisso, anos, décadas a fio. Alguns de nós, a maioria, gosta demasiado de diversificar a vida, dedicar-se à família, somos demasiado normais ou andamos demasiado ocupados a batalhar contra as adversidades do dia-a-dia. Mas todos temos a obrigação de ser bons naquilo que fazemos, de percorrer esse caminho para a qualidade e o valor que só pode ser percorrido com trabalho e persistência.
O brilhantismo jovem pode ser bom para corridas de velocidade mas só vos leva até certo ponto. A vida é uma prova de fundo. Vencer o longo curso exige uma mistura de confiança, humildade e trabalho. Acima de tudo, exige resistência para não desistir, nem perante o ladrar de beira de estrada, nem perante o obstáculo mais importante de todos: os vossos próprios sonhos.

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