Dos mega-eventos como modelo de investimento


Imagem: Tércio Teixeira.

A abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro no início de Agosto ficou marcada por várias acções de protesto na cidade, chegando a registar-se situações de confronto entre manifestantes e polícia militar. A tensão que antecedeu o evento foi o corolário de um processo de contestação que se estendeu durante vários anos. Em causa estava o desagrado perante os gastos elevados envolvidos na preparação e promoção de mega-eventos desportivos num contexto de fortes contrastes e profundas carências sociais e económicas.

Estima-se que mais de 60 mil pessoas tenham sido expropriadas de suas casas na cidade do Rio no decurso do processo de preparação da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Grupos de residentes promoveram campanhas nas redes sociais para salvar as suas comunidades, denunciando os métodos intimidatórios utilizados pelas autoridades brasileiras. A repercussão internacional destas acções de protesto chegou mesmo a justificar o envolvimento da Amnistia Internacional, lançando uma vasta petição pelo fim das “remoções compulsórias”.

Ainda que a retórica institucional invoque a melhoria de condições de vida para os realojados, alguns investigadores denunciam o que se tornou numa estratégia de planeamento urbano assente na deslocalização das populações mais pobres para zonas periféricas, deixando os territórios desocupados livres para receber novas infraestruturas – quase sempre através de modelos de parceria público-privada – e bairros residenciais de luxo. Em causa está um processo de sanitização social que motivou a crítica aos Jogos Olímpicos como tratando-se dos “jogos da exclusão”.


Imagem: Mario Tama.

Pese embora o enquadramento de desigualdade social vivido no Brasil, a vaga de contestação popular que ali teve lugar não é, de forma alguma, um caso único. Das críticas ao despesismo dos Jogos Olímpicos de Atenas em 2004 aos confrontos violentos que assolaram a cidade de Milão no dia de abertura da Exposição Universal de 2015, não esquecendo o escândalo de corrupção que envolve a organização do Mundial do Qatar em 2022, incluindo o drama das condições desumanas a que estão sujeitos os trabalhadores da construção civil naquele país (com registo de mais de mil mortes nos últimos quatro anos), são cada vez mais recorrentes as vozes que se erguem em oposição à organização de mega-eventos um pouco por todo o mundo. Falamos afinal de iniciativas que envolvem avultados investimentos públicos que se acabam por traduzir, tantas e tantas vezes, em casos notáveis de tráfico de influências e más práticas de gestão.

As patologias que envolvem estes processos são bem conhecidas: da sub-orçamentação de custos às expectativas de retorno inverosímeis, os mega-investimentos são o exemplo paradigmático do benefício dos agentes privados – primeiramente actores no lobbying político em favor da sua realização e, posteriormente, intermediários na ocultação do endividamento público – participando, sem risco, sob o manto das garantias contratualmente assumidas pelos promotores estatais.

O risco público, no entanto, é imenso, sendo certo que os mega-eventos não podem falhar. Os intermediários sabem que os projectos têm de ser concluídos a qualquer preço e que, aconteça o que acontecer, os contribuintes serão chamados a pagar a conta, qualquer que seja o custo final.
Estamos assim na presença de um modelo de investimento de difícil controlo, levado a cabo em contextos de enorme pressão temporal e, consequentemente, de uma grosseira simplificação de procedimentos, centralização do processo de decisão e reduzido escrutínio público. Os resultados são evidentes na pouca transparência que os envolve e no favorecimento de fenómenos de corrupção.

Perante o desencanto generalizado que despertam nas populações, os mega-eventos parecem agora repercutir apenas os desejos autocráticos dos seus promotores, beneficiando da complacência política crescente das organizações que os tutelam para com países onde estão ainda ausentes mecanismos de monitorização independente. Deixam, no entanto, atrás de si, em tantas cidades e sobre aqueles que as habitam, um rasto de infraestruturas abandonadas e um acumulado de dívidas que pode levar muitas décadas a saldar.

Referências:
1. CityLab: Mega-Events Are a Disease – Seven reasons they’re so terrible for cities; Eric Jaffe;
2. Jacobin: A Better Olympics Is Possible – We can turn the Olympics from a corporate wonderland into a place of mass celebration and popular competition; Mark Perryman;
3. Politize!: Copa do Mundo e Jogos Olímpicos, Valeu a pena?; Bruno André Blume;
4. Olympic Favela – an ongoing photography and video project that visualizes the effects of forced removal of residents in 14 of Rio de Janeiro’s favelas, implemented by the city government in preparation for the 2016 Olympic Games; Marc Ohrem-Leclef;
5. Co.Design: Photographing A Different Side Of The Olympics: The People They Evicted – The games are over, but their impact on Rio will last for generations, for better or worse; Meg Miller;
6. CityLab: The Families Displaced by the Rio Olympics – The photographer Marc Ohrem-Leclef documents the effects of forced evictions in the favelas; Eillie Anzilotti;
7. Mail Online: Living in the shadow of the Olympics – Inside Brazil’s ‘favelas’ just yards from stadium where hundreds of millions of dollars have been spent ahead of the Rio Games; Gareth Davies;
8. Vice: Por dentro das manifestações contra os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro; Angela Almeida, John Surico;
9. Dezeen: Anti-Expo protests turn violent in Milan;
10. The Guardian: Expo 2015, What does Milan gain by hosting this bloated global extravaganza?; Milan’s Expo is one of the most controversial world’s fairs ever staged in Europe. Oliver Wainwright inspects the pavilions of the 140 participating countries and assesses what the Italian city has to show for its seven-year struggle; Oliver Wainwright.

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